No documento de Segurança Estratégica Nacional (NSS, na sigla em inglês) divulgado na semana passada, o governo de Donald Trump criticou a União Europeia. Cita que o continente ficará “irreconhecível” com o fluxo de imigração e fala em apoiar partidos de extrema direita durante eleições em países do bloco.
O presidente do Conselho Europeu, António Costa, afirmou que “os Estados Unidos oficialmente se comprometem, ao lado de Moscou, a interferirem em eleições europeias para apoiarem partidos nacionalistas”.
Os europeus são citados duas vezes mais que os chineses no texto, segundo levantamento da consultoria de risco GZero.
Trump, dias depois, seguiria reclamando do bloco o chamando de fraco durante entrevista ao portal Politico.
Não foram as primeiras farpas da Casa Branca direcionadas à Bruxelas. Em fevereiro, o vice-presidente JD Vance atacou os europeus, dizendo que o continente cerceia a liberdade de expressão e não consegue deter a imigração – além de defender a Rússia.
Esse distanciamento dos EUA com a União Europeia vem desde a campanha eleitoral do republicano. Isso é uma mudança importante nos rumos da diplomacia americana.
“É o desembarque de uma estratégia de 80 anos, que vem desde o fim da Segunda Guerra Mundial e sempre levou em conta a segurança coletiva entre Europa e os Estados Unidos”, explica o professor de Relações Internacionais da UFF (Universidade Federal Fluminense), Vitelio Brustolin.
A visão “América Primeiro”, ainda de acordo com Vitelio, não deixa os Estados Unidos mais fortes, mas “os torna mais fracos”.
Em artigo publicado no Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, na sigla em inglês), a especialista Emily Harding explica que “a administração (de Trump) está demandando que a Europa policie sua própria parte do mundo e, mais importante, pague por isso.”
Agora, os europeus parecem ter “se tocado” de que estão sozinhos.
Países como Alemanha e Polônia expandiram programas militares. Países-membros da União Europeia passaram a gastar 381 bilhões de euros com o setor em 2025, um aumento de 62,8% na comparação com 2020. A previsão é que esse número salte para 800 bilhões de euros, segundo o plano ReArme Europe.
O exército polonês, por exemplo, começou a proteger estações de energia críticas, compartilhando informações e realizando exercícios conjuntos de treinamento.
França e Bélgica anunciaram mudanças no alistamento militar, incentivando jovens a entrarem em programas no exército.
“A Europa realmente está se armando”, diz Brustolin. “Só que Trump não está satisfeito com isso, porque a Europa se arma investindo na sua indústria interna, dos países europeus.” O fortalecimento dos europeus vem de forma independente de Washington e não junto com ela.
Trump acredita que a União Europeia como bloco coordenado, de alguma forma, atrapalha os interesses americanos. Em diversos discursos, ele já afirmou que a UE foi criada para “prejudicar” os Estados Unidos.
O resultado da desconfiança de Trump é, também, uma desconfiança pelo lado de Bruxelas.
Ian Bremmer, presidente da consultoria de risco Eurasia Group, afirmou em artigo recente que “esta Estratégia de Segurança Nacional obriga os líderes europeus a se perguntarem: os Estados Unidos são um parceiro rebelde que pode ser reintegrado? Ou são um rival emergente – talvez até mesmo uma ameaça – que precisa ser combatida?”
Vitelio conclui dizendo que o resultado dessa nova estratégia não será positiva para os Estados Unidos, que estaria quebrando alianças estratégias consolidadas. “Trump tem essa teimosia de insistir em ideias que estudos e evidências demonstram que são falaciosas”, afirmou.
